Crise na Renamo: Desmobilizados Voltam a Fechar Delegação em Quelimane Após Breve Reabertura

Ex-guerrilheiros acusam liderança de Ossufo Momade de exclusão e exigem Conselho Nacional alargado; partido mergulhado em guerra interna


Quelimane/Maputo - A crise interna da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) agravou-se esta semana quando desmobilizados voltaram a encerrar a Delegação Política Provincial da Zambézia, em Quelimane, apenas um dia depois de ter sido reaberta pelo chefe da Mobilização Nacional do partido, Geraldo Carvalho.

Reabertura Durou Apenas Um Dia

Na segunda-feira, Geraldo Carvalho reabriu as portas da delegação provincial da Zambézia, encerrada desde maio de 2025, e orientou uma formação de quadros do partido. Contudo, os desmobilizados voltaram a encerrar o espaço no mesmo dia, acusando a direção nacional de exclusão no encontro de Nampula e de não discutir os problemas reais que afetam o partido.

Acusações de Uso de Força

O coordenador provincial da Comissão de Gestão dos Desmobilizados, Chaúque Chamajo, foi categórico nas suas declarações à imprensa: acusou Geraldo Carvalho de usar a força para a retoma de atividades, sem antes reunir com os ex-guerrilheiros para se inteirar das suas inquietações.

"Não aceitamos que venham impor decisões sem nos ouvir. Somos nós que lutámos pela Renamo e somos nós que conhecemos os verdadeiros problemas do partido", declarou Chamajo.

Comissão Provincial de Gestão em Formação

Chamajo revelou que decorre neste momento um processo de criação de uma Comissão Provincial de Gestão que deverá conduzir os destinos do partido até à realização das eleições internas.

Esta iniciativa faz parte de um movimento mais amplo dos desmobilizados que, recentemente, anunciaram a criação de uma Comissão de Gestão Nacional constituída por três membros (representando cada zona do país) para gerir interinamente a Renamo enquanto se aguarda a realização do Conselho Nacional.

Contexto: Crise Sem Precedentes

A Renamo enfrenta a pior crise interna da sua história desde a morte do líder histórico Afonso Dhlakama em 2018. O partido:

  • Perdeu o estatuto de líder da oposição nas eleições de 2024
  • Caiu de 60 para apenas 28 deputados
  • Viu o seu candidato presidencial (Momade) obter apenas 6% dos votos
  • Enfrenta revoltas generalizadas de desmobilizados

Cronologia da Crise em 2025

Maio

  • 15-28 de maio: Sede nacional e gabinete de Momade encerrados e ocupados por antigos guerrilheiros, até serem retirados a tiro e gás lacrimogéneo pela Unidade de Intervenção Rápida, com mais de 50 desmobilizados levados pela polícia

Junho

  • Desmobilizados anunciam desocupação parcial de 20 dias para permitir preparação do Conselho Nacional
  • Delegações reabrem temporariamente

Julho

  • 21 de julho: Ex-guerrilheiros encerram sede da província de Maputo, garantindo que outras serão fechadas

Setembro

  • Conferência Nacional dos Desmobilizados no Chimoio define estratégias
  • Criação de Comissão de Gestão Nacional

Outubro

  • Quelimane: Delegação reaberta e fechada no mesmo dia
  • Nampula: Reunião boicotada pelos desmobilizados

Exigências dos Desmobilizados

Os ex-guerrilheiros da Renamo têm exigências claras:

1. Demissão de Ossufo Momade

  • Acusado de "má gestão"
  • Alegada "incompetência total"
  • Suposto "servilismo à Frelimo"
  • Nepotismo e arrogância

2. Conselho Nacional Alargado

  • Participação de todos os desmobilizados
  • Discussão aberta sobre futuro do partido
  • Eleição de nova liderança
  • Transparência no processo

3. Pagamento de Pensões

  • Subsídios atrasados há meses
  • Fundos desviados (alegadamente)
  • Condições dignas para ex-combatentes

4. Refundação do Partido

  • Novas estratégias políticas
  • Recuperação da confiança popular
  • Reposicionamento como força de oposição

Ossufo Momade Sob Ataque

O presidente da Renamo, que assumiu em 2019 após a morte de Dhlakama e foi reeleito em maio de 2024 (processo contestado), enfrenta acusações devastadoras:

Acusações Políticas

  • Cooptado pelo poder da Frelimo
  • Beneficiário de privilégios incompatíveis com oposição
  • Utiliza escritórios e casas arrendadas como "líder da oposição" mesmo sem o ser

Acusações Financeiras

  • Alegado desvio de fundos destinados a desmobilizados
  • Falta de transparência na gestão
  • Enriquecimento pessoal (não comprovado)

Acusações Administrativas

  • Violação de estatutos do partido
  • Manipulação de processos internos
  • Exclusão de históricos e desmobilizados

Defesa de Momade

Ossufo Momade afirmou que nunca recebeu nenhum dinheiro destinado aos desmobilizados e desafiou os acusadores a trazerem provas.

O líder da Renamo classificou as ocupações como "grosseira afronta aos princípios mais elementares da democracia e da Renamo" e pediu o fim de tudo o que promove discórdia dentro do partido.

Históricos Pedem Saída de Momade

Até figuras históricas da Renamo juntaram-se ao coro de críticas. Sebastião Chapepa, antigo comandante, defendeu publicamente a saída de Momade:

"A solução é o conselho nacional reunir-se, agendarem a data do congresso e depois disso tudo o povo escolher o líder que vai nos levar avante. Momade não, não pode continuar no partido como líder", declarou Chapepa.

Conselho Nacional: Promessas Não Cumpridas

Um dos principais pontos de fricção é a realização do Conselho Nacional, órgão máximo do partido entre congressos.

  • Estatutariamente, a Renamo deve realizar dois conselhos nacionais por ano
  • O primeiro de 2025 foi marcado para 7-8 de março
  • Foi adiado sem nova data
  • Direção alega que não é obrigatório que ocorram em semestres diferentes
  • Desmobilizados exigem formato "alargado" com sua participação plena

Convocação "Tardia e Manipulada"

Recentemente, quando Momade finalmente convocou um Conselho Nacional em Nampula, os desmobilizados boicotaram, classificando-o como "tardia e manipulada".

João Machava, porta-voz dos desmobilizados, declarou: "Esta reunião não passa de uma fantochada".

Padrão Nacional de Encerramento

O fechamento da delegação em Quelimane não é caso isolado. O grupo de desmobilizados tem promovido o encerramento forçado de várias sedes da Renamo em todo o país, incluindo:

  • Sede Nacional (Maputo)
  • Delegação de Maputo Província
  • Delegação de Manica
  • Delegação de Nampula
  • Delegação da Zambézia (Quelimane)

Violência Policial

As tensões culminaram em intervenção violenta da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), que retirou desmobilizados da sede nacional usando tiros e gás lacrimogéneo.

Esta ação gerou:

  • Mais de 50 detenções
  • Acusações de brutalidade policial
  • Radicalização dos protestos
  • Solidariedade de outros sectores

Impacto Eleitoral Devastador

A crise interna coincide com o pior desempenho eleitoral da história da Renamo:

Eleições Gerais 2024

  • Presidenciais: Momade obteve apenas 6% (terceiro lugar)
  • Legislativas: De 60 deputados para apenas 28
  • Estatuto: Perdeu título de "líder da oposição" para o Podemos
  • Imagem: Danificada irreversivelmente

Este resultado alimentou as críticas internas e deu força aos desmobilizados que argumentam que Momade "levou o partido à ruína".

Venâncio Mondlane: O "Intruso"

A ascensão de Venâncio Mondlane, antigo membro da Renamo que concorreu como independente apoiado pelo Podemos, é vista como humilhação máxima:

  • Ficou em segundo lugar nas presidenciais
  • Conquistou o estatuto que era da Renamo
  • Expôs a fraqueza da liderança de Momade

Futuro Incerto

A Renamo enfrenta cenários possíveis:

Cenário 1: Renovação

  • Momade renuncia ou é destituído
  • Novo líder emerge do Conselho Nacional
  • Partido reconquista credibilidade

Cenário 2: Fragmentação

  • Desmobilizados criam partido paralelo
  • Renamo divide-se em facções
  • Irrelevância política permanente

Cenário 3: Manutenção Forçada

  • Momade mantém-se com apoio institucional
  • Desmobilizados continuam protestos
  • Crise arrasta-se indefinidamente

Papel da Frelimo

Analistas questionam se a Frelimo, partido no poder, beneficia estrategicamente desta crise:

  • Oposição fragmentada e enfraquecida
  • Alegadas influências sobre Momade
  • Vantagem eleitoral para 2029

Memória de Dhlakama

A crise actual contrasta fortemente com a era de Afonso Dhlakama (1953-2018), que:

  • Mantinha os desmobilizados unidos
  • Comandava respeito inquestionável
  • Era visto como autêntico líder da oposição
  • Representava ameaça real à Frelimo

Sua morte deixou um vazio que Momade, aparentemente, não conseguiu preencher.

Vozes da Base

Militantes comuns da Renamo expressam frustração:

  • "O partido que lutou pela democracia está a morrer"
  • "Dhlakama deve estar a revirar-se no túmulo"
  • "Precisamos de liderança forte, não de marionetes"
  • "A Frelimo ganha sem fazer nada"

Próximos Passos

Nas próximas semanas, espera-se:

  • Escalada de tensões em Quelimane e outras delegações
  • Possível nova intervenção policial
  • Pressões para realização urgente do Conselho Nacional
  • Posicionamento definitivo de Momade
  • Manifestações e protestos de desmobilizados

Conclusão

O recente fechamento da delegação de Quelimane, apenas um dia após reabertura, simboliza a profundidade da crise na Renamo. Três décadas após as primeiras eleições multipartidárias, o partido que foi sinónimo de oposição em Moçambique encontra-se à beira do colapso.

A pergunta que paira é: Conseguirá a Renamo sobreviver a esta tormenta interna ou testemunharemos o fim de um capítulo histórico da política moçambicana?

O tempo dirá, mas uma coisa é certa: sem unidade interna e liderança credível, o futuro da "perdiz" está seriamente ameaçado. 🕊️💔


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Categoria: NACIONAL | Política Data: 26 de Outubro de 2025

Contexto Histórico: A Renamo foi fundada em 1975 e liderou a resistência armada contra o governo da Frelimo durante a guerra civil (1977-1992). Após os Acordos de Paz de 1992, tornou-se partido político e principal força de oposição até 2024.

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