Sébastien Lecornu demite-se após 26 dias no cargo, estabelecendo o mandato mais curto da história francesa moderna; França mergulha em crise política sem precedentes
Paris/Maputo - A França vive uma crise política sem precedentes após o primeiro-ministro Sébastien Lecornu ter apresentado a sua demissão apenas 17 horas depois de revelar a composição do seu governo, estabelecendo um recorde histórico como o chefe de governo com o mandato mais curto da história moderna francesa.
26 Dias que Abalaram França
Lecornu, de 39 anos, foi nomeado primeiro-ministro no dia 9 de setembro de 2025, tornando-se o quinto chefe de governo de Emmanuel Macron em menos de dois anos. Apenas 26 dias depois, na manhã de segunda-feira, 6 de outubro, apresentou oficialmente a sua demissão ao presidente, que a aceitou de imediato.
Anúncio do Governo no Domingo, Demissão na Segunda
O episódio mais surreal da crise ocorreu quando Lecornu anunciou a composição do seu governo no domingo à noite, gerando imediata reação negativa de todos os partidos políticos. Menos de 17 horas depois, na manhã de segunda-feira, o primeiro-ministro já estava a apresentar a sua carta de demissão ao Palácio do Eliseu.
"Condições Não Estavam Reunidas"
Num breve discurso televisivo ao país, Lecornu justificou a sua decisão: "Não estavam reunidas as condições para governar. Negociar um orçamento é uma tarefa difícil, sem dúvida, ainda mais neste momento."
O ex-primeiro-ministro culpou a intransigência político-partidária: "Estava pronto para chegar a um acordo, mas todos os partidos queriam que todos os outros adotassem o seu programa completo. Não seria preciso muito para que funcionasse, mas as atitudes partidárias e certos egos atrapalharam."
Governo Praticamente Inalterado
A principal crítica ao governo de Lecornu foi a continuidade quase total em relação ao executivo anterior. Entre as nomeações polémicas:
Bruno Le Maire - Ministro da Defesa
- Ex-ministro da Economia até 2024
- Acusado de "levar França à bancarrota"
- Símbolo da continuidade criticada pela oposição
A líder da União Nacional (extrema-direita), Marine Le Pen, foi implacável: "A eleição deste mesmo Governo, temperado com o homem que levou França à bancarrota, é patética. Estamos sem palavras."
Quinto Primeiro-Ministro em Menos de Dois Anos
Lecornu tornou-se o quinto primeiro-ministro desde a reeleição de Macron em 2022:
Cronologia dos Primeiros-Ministros (2022-2025)
1. Elisabeth Borne (2022-2024)
- Mandato: 2 anos
- Mais longo dos últimos anos
- Renunciou em janeiro de 2024
2. Gabriel Attal (Janeiro-Setembro 2024)
- Mandato: 8 meses
- Jovem promessa de Macron
- Caiu após eleições legislativas
3. Michel Barnier (Setembro-Dezembro 2024)
- Mandato: 3 meses
- Não resistiu a moção de censura
- Orçamento rejeitado no Parlamento
4. François Bayrou (Dezembro 2024-Setembro 2025)
- Mandato: 9 meses
- Também rejeitado pelo Parlamento
- Cedeu lugar a Lecornu
5. Sébastien Lecornu (Setembro-Outubro 2025)
- Mandato: 26 dias (recorde de brevidade)
- Governo anunciado e demitido em 17 horas
- Crise política sem precedentes
Reações Políticas Ferozes
Marine Le Pen (União Nacional - Extrema-Direita)
Exigiu dissolução imediata do Parlamento e novas eleições legislativas: "Macron está a destruir a França. Precisamos de eleições agora!"
Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa - Esquerda Radical)
Reiterou pedido de demissão de Macron: "Macron está na origem do caos, incapaz de controlar esta situação. Deve demitir-se e convocar eleições presidenciais antecipadas."
Les Républicains (Centro-Direita)
O partido conservador rejeitou o governo, afirmando que a composição "não reflectia a profunda ruptura com a política passada que Lecornu prometera."
Parlamento Sem Maioria
A raiz da crise está nas eleições legislativas antecipadas de julho de 2024, convocadas por Macron, que resultaram num Parlamento fragmentado em três blocos sem maioria absoluta:
Composição da Assembleia Nacional
- Esquerda (Nova Frente Popular): ~190 deputados
- Centro (Ensemble de Macron): ~160 deputados
- Extrema-Direita (União Nacional): ~140 deputados
- Total: 577 deputados (necessário 289 para maioria)
Esta fragmentação torna praticamente impossível aprovar qualquer legislação ou orçamento sem acordos complexos entre blocos que se odeiam mutuamente.
Crise do Orçamento 2026
O gatilho imediato para a crise foi a necessidade de aprovar o Orçamento de 2026 até 31 de dezembro de 2025. Lecornu enfrentava a impossível tarefa de:
- Aprovar orçamento de austeridade
- Reduzir défice crescente (mais de 5% do PIB)
- Cortar gastos públicos
- Aumentar receitas
Sem apoio parlamentar, qualquer proposta seria automaticamente rejeitada via moção de censura.
Dívida Pública Explode
França enfrenta crise financeira grave:
- Dívida pública: Superior a 110% do PIB
- Défice orçamental: Acima de 5% (limite UE: 3%)
- Juros da dívida: Crescendo rapidamente
- Agências de rating: Ameaçando rebaixar classificação
Macron: 16% de Aprovação
O Presidente Emmanuel Macron, que não pode candidatar-se à reeleição em 2027, enfrenta índice de aprovação recorde de apenas 16%, o mais baixo da Quinta República francesa.
Apesar disso, Macron recusa-se categoricamente a:
- Demitir-se
- Convocar eleições presidenciais antecipadas
- Dissolver novamente o Parlamento (só pode fazê-lo uma vez por ano)
"Macronistas" Rejeitados
Tanto a esquerda quanto a direita exigem que o próximo primeiro-ministro não seja macronista, mas Macron insiste em nomear aliados próximos, perpetuando o impasse.
Ministros de "Algumas Horas"
Um detalhe quase cómico da crise: os ministros nomeados no domingo à noite exerceram funções por menos de 12 horas antes de serem destituídos com a demissão de Lecornu.
Polémica das Indemnizações
Em teoria, mesmo ministros que exerceram apenas horas têm direito a:
- 3 meses de indemnização
- Cerca de 10.000 euros brutos mensais
- Total: 28.000 euros
Lecornu esclareceu: "É evidente que os ministros que tenham sido ministros durante algumas horas não terão direito a isso", tentando acalmar a opinião pública indignada.
Nomeação Repetida (Twist Inesperado)
Numa reviravolta surpreendente, Macron voltou a nomear Lecornu como primeiro-ministro na sexta-feira, 10 de outubro, apenas quatro dias após a renúncia!
"Aceito, por dever, a missão que me confiou o presidente", escreveu Lecornu na rede social X, apesar de ter garantido anteriormente que não estava "correndo atrás" do cargo.
"Monge Soldado"
Lecornu, que se autodefine como um "monge soldado", ex-ministro da Defesa e um dos políticos mais jovens e ambiciosos da França, terá agora a missão (aparentemente impossível) de:
- Buscar maioria parlamentar
- Aprovar orçamento antes de 31 de dezembro
- Evitar nova moção de censura
- Salvar o que resta da presidência de Macron
Comparação Internacional
O mandato de 26 dias de Lecornu (antes da renomeação) compara-se a:
- Liz Truss (Reino Unido): 49 dias (2022)
- Pedro Passos Coelho (Portugal): Vários meses
- Primeiro-ministros italianos: Vários com menos de 6 meses
Contudo, a demissão 17 horas após anunciar o governo é sem precedentes na história democrática europeia moderna.
Eleições Presidenciais 2027
A crise ocorre à sombra das eleições presidenciais de 2027, onde Macron não pode concorrer. Todos os partidos estão a posicionar-se:
- Marine Le Pen (extrema-direita): Favorita nas sondagens
- Jean-Luc Mélenchon (esquerda radical): Candidato provável
- Macronistas: Sem candidato natural forte
Esta corrida antecipada torna qualquer acordo parlamentar ainda mais difícil.
França: "Homem Doente da Europa"
Analistas económicos consideram a França o "novo homem doente da Europa":
- Dívida insustentável
- Défice crónico
- Reformas bloqueadas
- Instabilidade política permanente
- Perda de competitividade
Reações da União Europeia
Bruxelas observa com preocupação crescente:
- França é a segunda maior economia da UE
- Instabilidade francesa afeta toda a zona euro
- Orçamento francês viola regras europeias
- Pressão para sanções (improvável por questões políticas)
Possíveis Cenários
Cenário 1: Lecornu Sobrevive
- Consegue acordo mínimo com parte da oposição
- Aprova orçamento em extremis
- Governa precariamente até 2027
Cenário 2: Nova Queda
- Moção de censura derruba Lecornu novamente
- Macron nomeia sexto primeiro-ministro
- Ciclo vicioso continua
Cenário 3: Dissolução Constitucional
- Pressão força Macron a convocar novas legislativas (só pode em julho 2025)
- Resultados provavelmente similares
- Problema persiste
Cenário 4: Crise Total
- Sem orçamento até 31 de dezembro
- "Governo de gestão" limitado
- Paralisação do Estado
- Agências rebaixam rating da França
Opinião Pública Francesa
Cidadãos franceses expressam frustração:
- "Estão a brincar connosco"
- "Isto é uma palhaçada"
- "Ninguém governa este país"
- "Precisamos de eleições presidenciais já"
Lição Para Moçambique?
A crise francesa oferece lições para Moçambique e outras democracias:
- Parlamentos fragmentados dificultam governação
- Sistemas eleitorais podem necessitar reforma
- Instabilidade política prejudica economia
- Liderança exige capacidade de compromisso
Ironia Histórica
É irónico que a França, berço da democracia moderna, inventor do sistema presidencial-parlamentar (Quinta República de De Gaulle), esteja agora mergulhada numa crise que parece não ter solução dentro das regras constitucionais actuais.
Próximos Capítulos
Nos próximos dias e semanas, espera-se:
- Lecornu tenta formar coligação improvável
- Negociações intensas com todos os partidos
- Possível votação de moção de censura
- Apresentação (ou não) de proposta de orçamento
- Deadline: 31 de dezembro de 2025
Conclusão
A crise do primeiro-ministro que renunciou 17 horas após anunciar o governo simboliza a profundidade da paralisia política francesa.
Sébastien Lecornu, o "monge soldado" renomeado por Macron, enfrenta agora uma missão aparentemente impossível: governar um país onde ninguém quer cooperar e todos aguardam as eleições de 2027.
A pergunta que paira sobre Paris é simples mas assustadora: Conseguirá a França governar-se a si mesma?
O tempo dirá, mas uma coisa é certa: a Quinta República francesa enfrenta a sua maior crise desde a sua fundação em 1958. 🇫🇷⚠️
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Categoria: INTERNACIONAL | Política Europeia Data: 26 de Outubro de 2025
Curiosidade: Este é o quinto primeiro-ministro de Macron em menos de dois anos, e o segundo que renunciou apenas para ser imediatamente renomeado - uma situação sem precedentes na democracia francesa moderna.
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